domingo, 14 de dezembro de 2008

Vamos rascunhando, então...

Novamente, alguns meses sem atualização, mas voltamos. De saída, gostei muito dessa de escrever o último texto de forma mais leve, mais genérica; vocês comentaram mais, participaram mais, fizeram o bolo crescer. O mais legal é que foram tantas ambiguidades deixadas no ar que dá pra ir destrinhcando em vários pedaços. Mas tudo tem que ter limite, pra não virar academicismo chato de novo. Até porque, “se me explico, me implico...”

[Parêntese enorme: os comentários a seguir não são direcionadas a ninguém especificamente e menos ainda estão intencionados para ‘diminiur’ alguém ou algo que o valha. Estou pegando os comentários feitos e utilizando-os genericamente, caricaturalmente para continuarmos – ou tentarmos continuar – a reflexão. Continuem comentando: é realmente importante!]

A tônica da maior parte dos comentários foi o individualismo. “Ah, é tanto individualismo que até o pensamento guardamos para nós mesmos”. O curioso é que foram ‘críticas’ ao individualismo feitas a partir do individualismo. Deixa eu tentar melhorar: só quem está dentro de alguma maneira desse individualismo pode mesmo achar que o pensamento é [ou pode mesmo ser] coisa ‘individual’. O que está sendo discutido aqui sob o nome ‘pensamento’ é algo um pouco maior do que nossas próprias elucubrações individuais (“vou ou não vou?”, “quero ou não quero?”, “dane-se, isso é problema meu” etc.) — ... por pensamento pretendemos discutir a possibilidade do pensamento, o fundamento do pensamento, isto é: história, povo, linguagem, ser. É uma questão de proveniência: de onde ganhamos nossas possibilidades? É claro que este individualismo é o primeiro modo pelo qual concebemos pensamento: desde Descartes identificamos a realidade com o que está na nossa cabeça – jurando que o ‘certo’ é o que está na nossa cabeça. E sempre que o mundo nos ‘decepciona’ voltamos mais e mais para dentro, até explodirmos em alguma depressão, stress ou qualquer treco desses. Minha questão aqui é inverter o individualismo perguntando: e de onde vem toda essa porcaria que tá na sua cabeça, hein? Get it? ;)

Outra coisa bacana que apareceu nos comentários foi o lance da utilidade/necessidade do pensamento. Esta questão só ganha seu sentido quando compreendemos o pensamento como ‘maquinação cerebral’ — novamente: pensamento aqui é o nosso modo de ser sempre. Todo e qualquer povo histórico, se era feito de gente, possuía produção intelectual, artística e etc. ‘Pensamento’ é a casa que moramos, a língua que falamos, a comida que comemos. Não somos como os bichos: todas as nossas atividades vêm acompanhadas do sentido que lhes damos. E não ‘damos’ sentido porque queremos ou escolhemos – somos assim: nos relacionamos com a realidade significando-a. Portanto, na minha opinião a coisa ficou simples: pensar é simplesmente [vir-a-]ser o que a gente é. Não pensar é virar escravo do moinho do capital: é virar número. Pensar não como apenas raciocínios complexíssimos neste blog que quase ninguém lê: NÃO. Pensar é escrever, ler, amar, produzir arte, construiur nossas vidas. Não pensar é achar que isso tudo nasceu pronto e que a gente não pode nunca fazer nada. Que ‘produção cultural’ é coisa de ‘elite’.

Falou-se também da ‘popularização’ da Filosofia. Aí entraram outros elementos. O mais grave é a identificação entre filosofia e pensamento. Quem está me acompanhando até agora já deve ter percebido que não concordo. Filosofia é um modo muito particular de acontecer o pensamento, e admitamos, um modo que parece ter um brilho especial. Mas é só. O pintor, o músico, o arquiteto, o engenheiro: todos podem ser pensadores. Todos podem ser ‘filósofos’ no sentido literal [e clichê] do termo: gente que gosta de pensar. E a ‘popularização’ é uma categoria que se irradia a partir de um lógica mercantil — este item, filosofia, pode ser ‘popularizado’, isto é, super-exposto de modo que consigamos ganhar alguma coi$a com isso? Eis a lógica da popularização.

Tá certo. Se tem alguém aí avidamente me acompanhando, já deve estar aborrecido querendo saber então que diabos eu compreendo por filosofia? Duas compreensões são cotidianamente e coerentemente possíveis:

a) Filosofia são as doutrinas, os conceitos, os pensamentos deixados escritos pelos caras que a história chamou de filósofos. Se é isso, aí sim: dá pra falar em Faculdade de Filosofia, em popularização da filosofia, etc, etc. É possível poder falar sobre a noção de ‘idéia’ em Platão, de ‘substância” em Aristóteles, de “vontade” em Nietzsche, etc. E pra isso vocês podem se poupar e comprar uns dois daqueles manuais de história da filosofia e pronto. Os esquemas estão prontinhos.

b) Filosofia é esse modo particular de pensar que podemos ‘aprender’ – ou talvez exercitar – pensando a partir dos textos dos caras. Pensando com os caras.

Filosofia que mereça esse nome e com letra maiúscula é, pra mim, uma ‘síntese’ entre essas duas compreensões. Não é necessário ser o expert em toda a história das idéias, mas é preciso conhecer algumas coisas pra se ‘entrar’ na filosofia. Mas não estou afirmando, repito, que a filosofia seja ‘a salvação’, a panacéia de qualquer coisa. Não.

O pensamento sim, é o caminho que considero possível. A filosofia é um modo através do qual eu me relaciono com o pensamento, assim como a música. É uma questão de que vocês tenham possibilidade de encontrar e assumir os seus modos de realização do pensamento. Eu realmente acredito nisso. Até a próxima porque já tá muito grande - mas ainda faltam algumas coisinhas.

sábado, 20 de setembro de 2008

Pensar? Pra quê?

Lá se vão alguns meses desde a última atualização. Em parte, as obrigações práticas e contingenciais da vida concreta têm me ocupado muito; da outra parte, essa pergunta aí no título que tem me enchido a paciência. E também os últimos textos ficaram muito ‘acadêmicos’ e acho que muita a gente perdeu a paciência. Porque esse blog é um espaço onde eu tento ‘socializar’ a questão do pensamento – com todos os problemas que um projeto destes traz.

Pra quê pensar? De saída, me perguntei: quem lê esse blog? Porque essa simples pergunta é sustentada por outra mais fundamental: pra quem um ‘filósofo’ fala no Brasil? Se é que ele fala para alguém. Para o povo, sabemos, não é. Para a classe média, menos. Para a elite? Tenham a santa paciência. Falam para si mesmos. Falam para os auditórios das academias e é só. E são ouvidos pelos colegas-filósofos, alunos e alguns curiosos. Sei que está soando meio pessimista, mas a reflexão precisa ser feita.

Por que o ‘filósofo brasileiro’ não fala para o povo? Porque o povo é ignorante e não entende a língua dele, que é muito complexa e completamente diferente da língua que o povo fala. Filósofo que é filósofo não pega ônibus, não compra pão, não fala palavrão e não torce pro Flamengo. Filósofo é importante demais, não pode ser gente. Tirando um pouquinho do escárnio: como falar a língua do Brasil? O pensamento acontece na língua, portanto, como bem viu um João Guimarães Rosa da vida, há pensamento na língua do povo.

Por que o ‘filósofo brasileiro’ não fala para a classe média? De saída, já temos problemas com essa categoria “média”. Assumindo que por classe média pensamos aquele que conseguem pagar as contas, comer e às vezes fazer uma viagenzinha pro interior pra ver os pais, bom, eles também não querem nem saber de pensamento. Se pararem pra pensar, perdem a hora de chegar ao trabalho, não pagam a escola dos filhos, a TV a cabo e a internet. O conhecimento que precisam já aprenderam: são profissionais. São técnico-práticos e tudo está resolvido. Votam nulo quando pretendem ter consciência política e seus verdadeiros gurus e mestres são os publicitários. Mas há de haver um pensamento aí nessa práxis e o nosso filósofo tupiniquim não o encontrou ainda. Pelo menos ao que parece.

Por que o ‘filósofo brasileiro’ não fala para a elite? Estes têm algo em comum: falam sozinhos. Os filósofos verborrágicos falam consigo mesmos por vaidade e por saberem que só eles são capazes de entender (?) o que eles dizem. A elite só fala e ouve, isto é, se comunica, entre si. Mas obviamente, apenas para manter essa concatenação de elementos que funciona tão bem para ela. Já dizia Darcy Ribeiro, o Brasil possui o sistema de prosperidade perfeita para quem está na parte de cima do bolo social. Eles, definitivamente, não precisam pensar. Só precisam ter. Santa propriedade, amém.

[Que estas caricaturas deixem as perguntas soarem. Eu volto com este mesmo tema.]

terça-feira, 6 de maio de 2008

Modernidade, talento e mercadoria.

Antes de começarmos: 1) Desculpem o longo tempo sem atualização. 2) Quero agradecer profundamente a todos que têm acompanhado o Blog e, principalmente, aos que têm comentado. Um comentário, uma dúvida, por simples que possa parecer, suscita novamente a reflexão: Será que me fiz claro? Será que realmente estou encaminhando a questão corretamente? Essas e outras perguntas se me apresentam e são por mim novamente pensadas. Além do mais, um comentário pode contribuir para que um terceiro compreenda alguma passagem complexa ou truncada e, finalmente, um comentário me abre a possibilidade de explicitar melhor algum ponto controverso. Recomendo que, principalmente nos dois últimos textos, leiam também os comentários – e aviso que, sempre que se fizer necessário, responderei aos comentários com outro comentário! UFA! Portanto, comentem!
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Como promessa é dívida, tecerei mais algumas considerações sobre o tema do último texto, a partir de diferentes [e complementares] perspectivas. De maneira sintética, posso dizer que afirmei que o fundamento de ambas as proposições da pseudo antinomia do talento é a separação entre homem e mundo, entre ser e pensar. Tal cisão foi promovida pela compreensão de mundo da modernidade, norteada pela noção de que uma coisa é a coisa que pensa [posteriormente chamada ‘subjetividade’] e que outra coisa é a coisa que ocupa espaço simplesmente, a coisa extensa ou, os objetos; segundo Descartes, tratam-se de instâncias completa e essencialmente diferentes, ontologicamente separadas, apartadas, abortadas.

Vejamos algumas conseqüências desse pensamento: se o pensamento e o mundo material são coisas radicalmente separadas, instaura-se um abismo entre a possibilidade de conhecer o mundo: como o pensamento pode se adequar e dizer o mundo, essencialmente diferente dele? Esta questão ficará no ar, e tomara que desperte o interesse de alguns de vocês pelo pensamento. Por agora me basta dizer que, de maneira genérica, as ‘soluções’ dadas a esse problema pelos seus adeptos, de Descartes a Hegel, [pelo menos uns 200 anos!] não satisfizeram a Marx, Nietzsche, Heidegger, etc. Deixando a especulação com os grandes e voltando ao lado prático da coisa, o que esta tal separação tem a ver com nossas vidas práticas e com o tema do talento, especificamente?

Bem, do ponto de vista ético, uma conclusão se impõe: somos o que pensamos ser e não o que fazemos. Nossa essência pensante é uma faculdade de representar o mundo, do qual é essencialmente diferente. Nem preciso dizer [novamente] o quanto discordo, creio eu. E aqui precisamos recorrer ao texto anterior: a proposição “a” [O talento existe], nos termos em que foi posta, repousa aqui porque está garantido filosoficamente que a essência do homem e a essência do mundo são distintas; portanto, o homem deve ser olhado a partir do céu das idéias metafísicas e não a partir das condições materiais de manutenção de suas vidas; já a proposição “b” [o talento não existe], nos termos em que foi posta, repousa também aqui porque está garantido filosoficamente que minha vontade e minha liberdade são absolutas em relação ao mundo, que novamente o homem deve ser olhado a partir do céu das idéias metafísicas e não a partir das condições materiais de manutenção de suas vidas.

Assumindo que vocês me acompanharam até aqui, vejamos: a quem serviu toda essa parafernália intelectual? Eu respondo: ao mercantilismo expansionista europeu. Desprover o mundo de suas qualidades e rebaixá-lo a um “segundo plano ontológico” nada mais é do que abrir a possibilidade de transformação de todo este mesmo mundo em mercadoria. O que importam são as quantidades, as objetividades porque estas são a maneira como a coisa que pensa (a essência mais verdadeira) representa o mundo (a essência menos verdadeira); estas propriedades quantitativas ou objetivas, meus caros, servem, tanto para o capitalismo quanto para a ciência como possibilidade de apropriação, domínio e instrumentalização da natureza. Só me importa o que eu posso conhecer; o problema é que conhecimento para os modernos é sinônimo de domínio, violência e apropriação desmedida.

terça-feira, 18 de março de 2008

Equívocos Talentosos (I)

Como músico e professor de música é impossível não ouvir alguém falando sobre ‘talento’. Uns acham que talento é uma inspiração pseudo-divina que alguns eleitos recebem antes de encarnarem – ou algo que o valha – , enquanto outros acham que é conversa fiada para alguns se pretenderem mais distintos que outros. E confesso que já transitei entre as duas posições, até perceber que essa antinomia repousa num pressuposto metafísico (dubitável).
Pensemos na oposição então.
Talento existe. Para a maioria das pessoas isto quer dizer que, alguns possuem, em sua essência metafísica, no céu ou no plano ideal, a aptidão inata para uma determinada arte, independente das condições materiais de suas vidas. Aquela coisa de ‘nasceu para ser aquilo’. Não precisa ser nenhum grande pensador para perceber qual o fundamento disso: o pressuposto moderno-cristão de que há uma cisão entre homem e mundo, que o homem tem lá sua essência fora do mundo e que por isso mesmo é, a priori, inteligente, moral, bom, etc.
Talento não existe. Isto quer dizer, para a maior parte então que, basta querer para poder. Aptidões passam a ser frutos da vontade humana, que escolhe, quando bem quer, independente das condições materiais da vida, o que quer ser. Aquela coisa tradicional de “querer é poder”. Fácil também encontrar os pressupostos fundamentais: os homens são, essencialmente, iguais, com possibilidades iguais para quaisquer artes. O que já pode nos mostrar um estranho encontro nesta antinomia: ambas as proposições repousam sobre a mesma compreensão de mundo moderna. Afinal, ‘igualdade’ é um preceito cristão que ganhou voz ‘de verdade’ quando se tornou burguês em 1789. Acredito que, de maneira mais ampla, o mais importante do que é comum em ambas as posições é a (estranha) crença de que somos ou deixamos de ser alguma coisa de forma independente das condições materiais de perpetuação da vida, ou, como dizem na Academia desde Kant pelo menos, a priori.
A contradição pode dar sinais de dissolução se a questionarmos diretamente em seus fundamentos. E se não estivermos prontos no céu metafísico antes de ‘encarnarmos’? E se, ao contrário do que muitos ainda acreditam, nós formos apenas aquilo que fazemos e não aquilo que representamos em nossa maquinaria intelectual? E se, ao invés da interpretação metafísica tradicional, essência e aparência forem coisas intimamente conectadas e não abortadas ao modo de uma dualidade excludente? Bem, essa via especulativa tem sido fortemente trilhada por alguns pensadores, desde os dois grandes golpes aplicados à metafísica: o de Marx e o de Nietzsche. Também o velho Husserl e seus célebres seguidores fenomenólogos, como Heidegger e Sartre para citar apenas dois dos mais famosos. A célebre frase, muito repetida e pouco pensada, “a existência precede a essência”, que norteou o pensamento de Sartre, tem exatamente esse sentido. Como pensaremos agora que pretendemos esfacelar a oposição sem nos perdermos num jogo de palavras desprovido de sentido?
Talento existe? Sim. Observadas as condições materiais da vida e o espectro de possibilidades que se apresentam. Muitas possibilidades estão abertas para uns e fechadas para outros. E vice-versa. Pretender um salto reflexivo “sem a prioris” quer dizer que não há uma cartilha existencial. É preciso que cada um cuide bem dos seus “possíveis mais próprios”. O discernimento para escolhê-los também não está dado. Talento é o reconhecimento e a assunção de uma possibilidade própria, levada às últimas conseqüências. As pessoas não são iguais. Porque a vida não se repete como numa fórmula matemática. A igualdade pregada é burguesa e seu foco é estritamente capitalístico. É preciso que as pessoas queiram ser iguais, comprar as mesmas coisas, do mesmo modo, com o mesmo dinheiro. Quanto mais homogêneo, mais controlável. Mais sobre isso outro dia.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Eu é que estou de OlhO.

Às vezes fico perplexo com a cara-de-pau dos ‘dominantes’. Ou fico me perguntando se sou eu quem vê chifres na cabeça de cavalo, como diz o ditado. O tema de hoje é o olhar. O que gostamos de olhar, até onde alcançamos ver, e os fetiches pertinentes. Ta legal. Vou abrir o jogo.

A – A pseudo-concepção política dos meios de comunicação

“Nós estamos de olho”. Todo mundo já foi assediado por esse comercial ridículo, se até eu que me esforço por me manter longe da TV já fui. E dizem que os “nossos políticos somos nós lá”. Primeira falácia: possuímos um real poder de intervenção na vida política do país. É óbvio que eu sei que não há um parlamentar neste país ‘democrático’ que não tenha sido eleito pelo voto direto. O difícil de engolir é que depois de eleito os eleitores são os responsáveis pelo teor ético de suas atitudes. Podemos analisar o passado, a carreira política e os projetos dos candidatos. Votamos nisso. Ou melhor, deveríamos votar nisso. E cobrar, na medida do possível – que é bem pequena, diga-se de passagem – o alinhamento da conduta com as ‘promessas de campanha’.
Mas o real mesmo é que o Brasil vota em tudo menos no político: vota no bonitão, no mais articulado, no que ‘vence’ o debate. Aliás, “vencer” é tomado no sentido mais futebolístico possível: muitas pessoas não podem ‘perder o voto’, por isso, o que pega é votar no líder das [tendenciosas] pesquisas. Mas o tema hoje não é a democracia, sei que vão me cobrar uma reflexão de verdade, mas só queria acenar para o comercial para que ele me levasse para onde realmente gostaria de ir:

B – De olho no BBB

Pois é. Eu acho extremamente oportunista a veiculação de um “nós estamos de olho” exatamente durante a veiculação do BBB. Afinal, “tá todo mundo de olho no BBB”. A utilização dos subterfúgios subliminares deixou de ser ‘sub’ para ser ‘super’. É PRATICAMENTE O MESMO SLOGAN! A transformação de toda a realidade – agora exemplificada paradigmaticamente na política – em item de consumo nas prateleiras continua firme e forte. Fique de olho na política da mesma maneira que fica de olho no BBB: assistindo a Globo, gastando seu tempo e seu dinheiro votando, intervindo, interagindo, como gostam os moderninhos. E lembre-se, você não pode perder. É impossível não lembrar de 1984, donde roubaram o nome Grande Irmão: mantêm-se um certo estado de sonolência coletiva, e cuidado com as teletelas. Cada vez mais as pessoas vivem de experiências de segunda mão. Não se apaixonam, porque suas personagens das novelas se apaixonam e se dão mal. Para quem se lembra da reflexão sobre o ideal de formação, olhem para o papel exercido pelas novelas na manutenção da formação da moral de rebanho. Cada vez menos se preocupam política, porquê a imprensa já está preocupadíssima e, o melhor, veiculando seus resultados em tempo ‘real’. Ou melhor, tempo em reai$. Tudo já está pronto, feito, dado. E o pior é que até a memória é cada dia menor. Afinal, já houve veiculação de novela com o nome de Bang bang em época de plebiscito sobre comercialização de armas de fogo.... Hic Rhodus, Hic salta!

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Qual nudez será castigada?

Estava – ainda estou, mas escolhas precisam ser feitas – sem conseguir escolher qual título para mais este texto. O concorrente era “Da Estética da Globelezação Brasileira” – afinal estamos em ‘época de carnaval’. O ponto é que incomodaram-me bastante o tipo de repercussão e comentários sobre o episódio “strip por seiscentos reais – não pagos – no baile funk”.
Não que eu vá ‘aprovar’ ou mesmo ‘desaprovar’ a atitude da jovem aspirante a stripper. Prefiro fazer alguns comentários conjunturais. Nossa grande e hipócrita sociedade, horrorizada com tal ‘desfrute’, desceu o sarrafo – para me expressar “no popular”. Comentários sobre o absurdo, o despautério e o descabimento da atitude da jovem vieram acompanhados de toda a pompa e circunstância econômico-moralista: afinal, trata-se do subúrbio, e as meninas pobres... bem, os pobres no Brasil são apenas os pobres.
Não obstante, algumas semanas depois chega o carnaval. E com ele, as propagandas no horário “nobre” com a belíssima (?) Globeleza nua, só “retocada” pseudo-artisiticamente. Essa nudez não é despropositada, descabida, absurda ou imoral. De forma alguma. Essa é a nudez, literalmente, para inglês ver. Esta nudez, acompanhada de muitas outras como destaques, ala das qualquer-coisa, atriz de TV soltando a franga e o diabo a quatro... bom, essa nudez é elogiada. Idolatrada. Adorada. Estimulada. RECOMENDADA. Nossos juízes estéticos, bem ao gosto do século XVII, se outorgam a autoridade de apontar: a bela nudez e a horrenda nudez. Proclamam-na, a bela, é óbvio, como representação mais-que-legítima da “Cultura Brasileira” – seja lá o que isso queira dizer. Zelam muito bem pela manutenção da imagem de pseudo-indígenas comedores de banana que gozamos mundo afora – desde, pelo menos, Carmem Miranda “representando” o Brasil com bananas na cabeça.
Temos a jovem do baile funk, que é mais uma entre outras jovens que frequentam bailes funks nas periferias. E todas elas, são Globelezadas todos os dias, pelas novelas, programas de humor e tudo mais que passar na programação geral para pobre ver. Afinal, sexo vende, e vende muito bem, obrigado. Os famosos podem. É o jeitinho capitalístico-brasileiro de funcionar: finge que dá com uma mão e bate – bem forte – com a outra.
Todos são iguais mas uns são mais iguais que os outros.