sábado, 17 de novembro de 2007

Midiocracia ou Mediocracia?

Recentemente ouvi falar no mais novo MS... do país: o Movimento dos Sem Mídia. Não procurei informações profundas a respeito ainda, mas genericamente, é um movimento de insatisfação (que me parece ter-se tornado ONG) diante do monopólio das comunicações, de sua enorme influência na vida político-econômica do país, etc. Parece ser algo sério. Todavia, um trecho específico da entrevista que li me intrigou: “Nós estamos nos propondo a ir às universidades, sindicatos, toda organização, instituição, aonde for possível, porque nós somos sem mídia, então nós aceitamos qualquer mídia.

Por que fiquei preocupado? Fiquei com uma enorme pulga atrás da orelha me perguntando “Qual o papel da mídia”? Ressalto de saída, para evitar mal-entendidos, que não estou aqui para apedrejar o MSM – que já confessei não conhecer profundamente. A notícia só serviu para desencadear essa breve reflexão; é só um exemplo. Retornando, o que me assusta é que parece que “todos querem um pedaço da torta”; se a mídia é o que rege nossas relações sociais, todos precisam de mídia. Proponho-me apenas a perguntar por que é que a mídia rege as relações? Que poder é esse e de onde ele vem?

O ideal de formar os cidadãos, algo que já foi visto como a tarefa mais elevada pelos gregos, a busca por uma excelência individual que culmine numa polis organizada pereceu. Educar virou sinônimo de IN-formar. E essa in-formação, que de INterior tem muito pouco, muito mais DE-forma e CON-forma. DE-forma as potencialidades individuais em nome de uma adequação às necessidades do Senhor Mercado e CON-forma persuadindo ser esta a melhor maneira possível, naturalizando-a. A naturalização de uma determinada conduta, de um certo modo de ser histórico é exatamente o momento da morte do pensamento.

Pois bem, o “poder da mídia” possui uma circularidade viciosa que espanta; retroage sobre si mesmo e sobre as pessoas ao modo de um Grande Irmão (1984, George Orwell) do qual não se tem notícia e nem certeza da existência. Esse “poder” é uma fetichização absurda de um ideal de “verdade empírica” oriundo da gênese da Modernidade: é preciso ver, tocar, apertar e medir todo o real. E se assim não for, não é verdade. Ora, se todos os meios de comunicação dizem algo sobre o que não podemos “experimentar por nós mesmos”, eis a verdade! Clara, imparcial e justa. Vale destacar que uma das últimas manifestações do arquétipo messiânico, o Superman, enquanto era só man, era jornalista.

A tal circularidade. Se outrora o controle se exercia explicitamente, dizendo ‘isto pode’, ‘isto não pode’, a mágica que hoje nos circunda faz parecer que podemos tudo. E podemos. Ao invés de sermos cegados somos ensurdecidos. Pode-se falar à vontade. A pergunta que fica é quem vai ouvir, como disse um amigo meu. Podemos ir à imprensa, somos ‘entrevistados’ por ela quando acontece algo a nossa volta. Então desabafamos, podemos ver todos os dias nos jornais: as filas dos hospitais, as greves, as manifestações, etc. Quem realmente ouve? Quem se engaja? Não se trata de pressupor uma espécie de teoria conspiratória, mas é essa a mágica que me intriga: a sensação de que há um Grande Irmão. Midiocracia é o governo da mediocridade. A pedagogia transmitida pelos ditos meios de comunicação naturaliza tudo. Tudo vale. Até vale tudo. Vale até a pena ver de novo. Que pena.



P.S.: ERRATA (?):

Explicilho Trocadando

Em relação ao texto anterior, recebi um comentário de um leitor anônimo (por isso não publicado) me ensinando que deveria ser “BOPE e não BOP”. Acontece que, infelizmente, com piadas e trocadilhos, qualquer iluminação intelectual estraga a magia. Trocadilho é algo que demanda certa dose de perspicácia, e conjuntamente senso de humor e uma dose de refinação. Mas se é pra estragar, vá lá:

TO BE: Verbo anglo-saxão = ser, estar.
BOP: Abreviação de Bebop, sugênero do jazz americano que surgiu no início da década de 1940 (key-words: Charlie Parker, Thelonius Monk, Kenny Clarke, Dizzy Gillespie.).

A brincadeira então seria mais ou menos a seguinte: quero ser Bop e não BOPE. (Be-bop, separado com hífen, lembra?) O desfecho do texto ainda dava uma dica: “Continuo mais interessado em trompetes que em metralhadoras. Eu quero é be-bop.”

Última vez que estrago a brincadeira, hein? Agora ele vai mandar: “Uai! Você não disse que a brincadeira acabou?”...

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Be-BOP

A última febre – que já quase está se tornando ‘velha’ – nas conversas genéricas, programecos de TV e etc. é o filme “Tropa de Elite”. Várias frases de efeito e expressões utilizadas pelas personagens são repetidas a torto e a direito, além, é claro de, praticamente não se poder falar sem ouvir a pergunta “já assistiu ao [filme] Tropa de Elite?”

Vá lá, cinematograficamente falando, o filme é bem feito. Bem produzido, dirigido, uma boa fotografia, um roteiro que ‘pega’ e uma narrativa contrapontística pseudo-Tarantinesca (vide Pulp Fiction). Problemáticos são os comentários, interpretações, posições assumidas e juízos que se pretendem cabais sobre a violência que têm sido gerados a partir do fenômeno BOP. É sobre isso que estou interessado em conversar.

Primeiramente, a sensação de responsabilização individualista redundante do discurso dos integrantes do BOP. Explico melhor: fica um cheiro de uma ‘teoria da conspiração’, como se cada usuário de cannabis, ao acender um baseado, estivesse voluntariamente retirando uma criança da favela da escola ou matando um adolescente ‘aviãozinho’. Vejo um aspecto muito problemático na assunção descabida deste tipo de posicionamento: a ocultação da responsabilidade das instâncias governamentais, militares e ‘sociais’. A responsabilidade pela educação daquela criança que está fora da escola não é de um indivíduo singular. Também não o é a responsabilidade pelo adolescente que não possui perspectiva melhor que o tráfico. Isso sem contar também, no odor preconceituoso de que, criança e adolescente de favela são criminosos em potencial. Não estou, antes que concluam apressadamente, negando a existência de uma responsabilidade por parte dos ‘usuários’. Contudo, a questão precisa ser olhada por um enfoque muito mais radical; é preciso se perguntar pela legitimidade da proibição do consumo, isto é, a quem ela serve? É preciso se perguntar por armamentos que os traficantes possuem e que nem mesmo os policiais militares possuem, só o exército; é preciso saber se a manutenção deste ‘estado de sítio’ não está também a serviço de algum grupo. Tentando exemplificar: na época das últimas eleições, a Globo lançou uma campanha, indo de carona em algum escândalo de corrupção, que era do tipo “cuidado em quem você vota, o futuro do país está em suas mãos e bla bla bla”. Como se o eleitor passasse a ser responsável pelo conteúdo moral e ético das atitudes dos candidatos que escolhe! Oras, votamos a partir de propostas e de histórico político do candidato; se ele não as cumpre, há outro culpado que não ele mesmo?

Um amigo me refutou dizendo: “cara, é a visão de um policial. Está falando de um lado que ele vê.” Eu discordei e discordo: é a visão de um diretor de cinema. Mesmo se estivesse lendo a biografia, seria a visão de um biógrafo (ou sei lá como se chama aquele que compila um livro desta natureza). O que quero dizer é que, como obra de arte, um filme não pode passar por cima de seu papel político – e aqui uso político num sentido muito mais abrangente que apenas votos e parlamentares. As pessoas assistem a um filme como este e, infelizmente, já saem repetindo. Falta apenas reflexão. Que nesse nível mais imediato dos acontecimentos o Capitão Nascimento está certo eu concordo: ele está certo, é guerra mesmo. Que o papel da arte e das pessoas que com ela se relacionam seja ficar nessa imediaticidade superficial é a parte que eu discordo. Aquilo que aparece sempre aparece a partir de algum chão, e só digo que é preciso perguntar por ele, porque quando seus vôos perderem a graça, é pra ele que você volta. Continuo mais interessado em trompetes que em metralhadoras. Eu quero é be-bop.