terça-feira, 6 de maio de 2008

Modernidade, talento e mercadoria.

Antes de começarmos: 1) Desculpem o longo tempo sem atualização. 2) Quero agradecer profundamente a todos que têm acompanhado o Blog e, principalmente, aos que têm comentado. Um comentário, uma dúvida, por simples que possa parecer, suscita novamente a reflexão: Será que me fiz claro? Será que realmente estou encaminhando a questão corretamente? Essas e outras perguntas se me apresentam e são por mim novamente pensadas. Além do mais, um comentário pode contribuir para que um terceiro compreenda alguma passagem complexa ou truncada e, finalmente, um comentário me abre a possibilidade de explicitar melhor algum ponto controverso. Recomendo que, principalmente nos dois últimos textos, leiam também os comentários – e aviso que, sempre que se fizer necessário, responderei aos comentários com outro comentário! UFA! Portanto, comentem!
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Como promessa é dívida, tecerei mais algumas considerações sobre o tema do último texto, a partir de diferentes [e complementares] perspectivas. De maneira sintética, posso dizer que afirmei que o fundamento de ambas as proposições da pseudo antinomia do talento é a separação entre homem e mundo, entre ser e pensar. Tal cisão foi promovida pela compreensão de mundo da modernidade, norteada pela noção de que uma coisa é a coisa que pensa [posteriormente chamada ‘subjetividade’] e que outra coisa é a coisa que ocupa espaço simplesmente, a coisa extensa ou, os objetos; segundo Descartes, tratam-se de instâncias completa e essencialmente diferentes, ontologicamente separadas, apartadas, abortadas.

Vejamos algumas conseqüências desse pensamento: se o pensamento e o mundo material são coisas radicalmente separadas, instaura-se um abismo entre a possibilidade de conhecer o mundo: como o pensamento pode se adequar e dizer o mundo, essencialmente diferente dele? Esta questão ficará no ar, e tomara que desperte o interesse de alguns de vocês pelo pensamento. Por agora me basta dizer que, de maneira genérica, as ‘soluções’ dadas a esse problema pelos seus adeptos, de Descartes a Hegel, [pelo menos uns 200 anos!] não satisfizeram a Marx, Nietzsche, Heidegger, etc. Deixando a especulação com os grandes e voltando ao lado prático da coisa, o que esta tal separação tem a ver com nossas vidas práticas e com o tema do talento, especificamente?

Bem, do ponto de vista ético, uma conclusão se impõe: somos o que pensamos ser e não o que fazemos. Nossa essência pensante é uma faculdade de representar o mundo, do qual é essencialmente diferente. Nem preciso dizer [novamente] o quanto discordo, creio eu. E aqui precisamos recorrer ao texto anterior: a proposição “a” [O talento existe], nos termos em que foi posta, repousa aqui porque está garantido filosoficamente que a essência do homem e a essência do mundo são distintas; portanto, o homem deve ser olhado a partir do céu das idéias metafísicas e não a partir das condições materiais de manutenção de suas vidas; já a proposição “b” [o talento não existe], nos termos em que foi posta, repousa também aqui porque está garantido filosoficamente que minha vontade e minha liberdade são absolutas em relação ao mundo, que novamente o homem deve ser olhado a partir do céu das idéias metafísicas e não a partir das condições materiais de manutenção de suas vidas.

Assumindo que vocês me acompanharam até aqui, vejamos: a quem serviu toda essa parafernália intelectual? Eu respondo: ao mercantilismo expansionista europeu. Desprover o mundo de suas qualidades e rebaixá-lo a um “segundo plano ontológico” nada mais é do que abrir a possibilidade de transformação de todo este mesmo mundo em mercadoria. O que importam são as quantidades, as objetividades porque estas são a maneira como a coisa que pensa (a essência mais verdadeira) representa o mundo (a essência menos verdadeira); estas propriedades quantitativas ou objetivas, meus caros, servem, tanto para o capitalismo quanto para a ciência como possibilidade de apropriação, domínio e instrumentalização da natureza. Só me importa o que eu posso conhecer; o problema é que conhecimento para os modernos é sinônimo de domínio, violência e apropriação desmedida.